sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Opinião: Tragédia na serra fluminense

Mais uma tragédia em que algumas variáveis foram decisivas para esse desfecho.

A região serrana do Rio é bastante acidentada. Forças tectônicas muito antigas modelaram aquele relevo. Por isso sua composição rochosa, coberta por uma camada de solo pouco profunda (como ocorre sempre em  áreas acidentadas). Funciona como uma barreira que retém muita umidade, apresentando sempre pluviosidade maior que as áreas vizinhas. Como se não bastasse, nessa época do ano, aquela região serrana recebe toda influência da Zona de Convergência do Atlântico Sul - cinturão de baixa pressão que atrai muita umidade.
 
As mais atingida das cidades serranas, Nova Friburgo, fica localizada a 850 metros de altitude e circundada por picos que chegam há 2.000 metros acima do nível do mar, como o Nova Caledônia.  Eu diria que a cidade inteira é uma área de risco por si só. No centro, menos acidentado, fica a área comercial e algumas residencias mais antigas. O fato de ser menos acidentado, no caso de Friburgo não significa que o seu centro seja de menor risco. É para o centro que converge toda a enxorrada que se transforma numa avalanche de lama, pedras de mais de uma tonelada e todo o volume de massa d'agua que desce com violência em dias de muita chuva. Uma verdadeira armadilha.  Outro dado é que os morros lá não é infortúnio apenas dos menos abastados. Os bairros de classe média e de classe alta também ficam em áreas acidentadas.  Apesar de ser um lugar muito bonito, certamente construir uma cidade ali não foi uma idéia feliz.  D. Pedro II, quem incentivou a vinda dos suiços para se instalarem na região, não imaginava algo do tipo 150 anos depois. Aliás, muitas cidades do leste da região sudeste apresentam essa característica por estarem encravadas nas montanhas da serra do mar, inclusive São Paulo, situada entre a Serra do Mar e da Mantiqueira. 

A Serra do Mar e da Mantiqueira sofrem esse processo de erosão e desmoronamentos há muitos anos.  A prova disso é que muitos picos são dominados pela rocha nua, que um dia foi coberta por solo. Hoje , esses fenômenos, considerados naturais, têm desfecho trágico porque são potencializados pelas manchas de desmatamentos, pela ocupação humana e intervenções irregulares. Se em parte o homem é causa, o preço é pago indiscriminadamente, por todos. O que torna uma chuva de 180 mm em tragédia é justamente o nível de adensamento populacional da área de risco ocupada.
 
Não só o descaso do poder público, a falta de planejamento urbano ou o déficit habitacional concorreram para a tragédia. As chuvas foram excessivas e a geografia da região foi decisiva. Tragédias ocorrem em todo o mundo, é verdade. Mas nesse caso, o que mais surpreende é o número de mortos. O que mais diferencia as tragédias que ocorrem em países desenvolvidos das que ocorrem em países como o Brasil é a relação numero de mortos , comparado ao número de feridos e magnitude e extensão dos danos materiais. Nesta tragédia o número oficial de mortos já chega a 800, mas especialistas já afirmam que deve ser o dobro disso. Falta preparo da população que vive em áreas de risco para uma emergência; falta um plano de evacuação, com simulações regulares de situações de emergência; falta ao brasileiro capacidade de mobilização para ações coletivas; levar um pouco mais a sério a meteorologia também ajuda. Pricipalmente daqui pra frente, quando o aquecimento global mudará ainda mais o regime pluviométrico tornando as chuvas mais intensas a cada verão.
 
A acentuação dos extremos climáticos já é uma realidade e essa nova ordem quebra o velho paradigma de que o Brasil está imune às grandes catástrofes naturais. Não está, e isso implica numa nova postura de governos e população, seja no cuidado com a ocupação dos terrenos, no planejamento de novas áreas urbanas; prevenção e previsão mais precisa e tempestiva para que algo possa ser feito antes da tormenta.  Uma coisa é certa: as chuvas de verão serão cada vez mais intensas no sudeste do país. A densidade da área ocupada e a localização das cidades atingidas é que vão concorrer diretamente para  a extensão maior ou menor da tragédia. 
 
Para o ConstruViverDermival Moreira dos Anjos
Geógrafo

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