quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

UM TANGO DESESPERADO - de Dôra Limeira para o ConstruViver

UM TANGO DESESPERADO


Agora, cinquenta anos depois de ter sido muito jovem, estou sonhando um sonho estranho. No meu devaneio, minha vizinha põe para tocar em sua eletrola um disco antigo, “Tango para Tereza”. O som explode na residência da vizinha e estampa na parede do meu apartamento o retrato de um passado distante. Aquele som me traz a nostalgia de ter perdido a juventude tão cedo, faz muito tempo. O tango rompe minhas paredes com a força de uma estranha osmose. Instala-se em minha sala, quarto, cozinha e nas partes mais escondidas de mim. É como se minha mocidade me invadisse a casa, porta a dentro, sem pedir licença.

Agora, sim. Estou mais calma no meu sonho. Tenho um tango aqui dentro, fazendo-me reviver a velha história de um amor que se perdeu no tempo e no espaço. Quem me dera uma cerveja gelada, alguém tocando um bandoneon junto a mim. Eu juro que essa noite seria somente minha. Mesmo sofrendo, eu seria feliz. Preciso imaginar que meu velho amante está aqui, rodopiando comigo no ritmo do Tango para Tereza. Eu quero uma cerveja, por favor, mesmo sabendo que a cerveja é um sonho, eu quero mesmo assim. Quem me dera, neste momento, ter meu amor de antigamente sussurrando-me coisas boas, bolinando-me no que tenho de mais intimista.

Mas qual o que, o sonho acabou. E, sem acreditar, eu acordei, velha e feia, minha camisola rota, meus cabelos ralos e desgrenhados. Foi um devaneio bom que tive. Ainda escuto Ângela Maria cantando.“A luz do cabaré já se apagou em mim. O tango na vitrola também chegou ao fim”.

Agora, estou acordada e junto comigo, a noite envelheceu. Mas antes disso, a noite velha segredou-me que estava na hora de chorar.

(Inspirado em “Tango para Tereza”, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim)


Dôra Limeira para o ConstruViver

Escritora paraibana

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